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Quais as expectativas dos pais quando nasce um filho? Quais as primeiras idéias que povoam seus pensamentos, seus sentimentos em relação àquele pequeno ser? Certamente é lhe dar o melhor, torná-lo a melhor pessoa que pode ser, e tantos outros planos. O nascimento de um bebê com alguma deficiência, ou a ocorrência de obstáculos no decorrer da vida, traz consigo a constituição de um novo conjunto de expectativas, um recontrato das metas pré-determinadas, que definem a nova estrada a ser trilhada. Quando, ao invés de perceber as possibilidades da criança, se evidenciam suas dificuldades, surgem aflições que, às vezes projetadas com muita antecedência, podem angustiar: pensar na aceitação social, na capacidade da alfabetização, na conquista da autonomia... E a grande questão passa a ser como administrar tudo isso para atingir aquele objetivo inicial, como ser feliz com o que se tem e seguir adiante? A melhor opção é viver cada coisa no seu momento e no seu lugar, saboreando o que experimenta e principalmente aprendendo um pouco a cada dia, pois a felicidade é a capacidade de realização em diversos e pequenos momentos, com ou sem limitações. Quando os pais recebem a notícia de que as coisas não aconteceram como o esperado, que todos aqueles sonhos deverão ser revistos, se defrontam com o inesperado, o desconhecido, o não planejado - e isso pode remeter ao medo, à solidão. Isso muitas vezes faz com que as expectativas se distanciem da realidade e cria verdades que seguem um caminho de predestinação, de fantasias. Diagnósticos podem funcionar como sentenças, como as previsões de ciganas que podem guiar toda uma vida por um caminho pré-definido, sem aberturas para mudanças de percurso. O conceito de "profecias auto-realizáveis" aqui se aplica bem: tende-se a fazer acontecer aquilo em que se acredita. Mas cada um de nós, pode escolher no que acreditar. Querer enquadrar o bebê que nasceu diferente do esperado naquelas expectativas que se criaram durante a gestação, é como trocar as peças num jogo de encaixe e passar a vida tentando colocar o triângulo no lugar do quadrado. Por este motivo a comunicação do diagnóstico é tão importante para que o casal possa ouvir uma notícia realista, com tempo para se reorganizar e reconstruir a nova situação, reconhecendo seus próprios sentimentos para poder seguir adiante. As expectativas desproporcionais muitas vezes impedem o desenvolvimento natural, ora sobrecarregam ora abandonam. Expectativas que se localizam muito acima das capacidades reais de qualquer pessoa, levam a frustração, enquanto que a expectativa baixa ou ausência dela, têm como resultado a resignação. Nenhum desses dois movimentos leva em conta o indivíduo real, suas capacidades e limitações, mas sim lidam com uma internalização equivocada (positiva ou negativa demais) daquilo que a pessoa é capaz. Para que as expectativas sejam adequadas, precisamos nem supervalorizar nem subestimar: precisamos de aceitação e do acreditar. A expectativa está envolvida com a vontade, a força do querer, do crer. Partindo do pressuposto que se aceita a criança, se conhece suas habilidades atuais, e se acredita nela, é possível traçar expectativas como um plano de vida, que possa ser revisto e modificado em seu percurso. Não se pode "querer para trás", a expectativa traz embutido o conceito de futuro, sem ignorar o presente. Mas se o olhar dos pais está projetado muito na frente, corre-se o risco de não valorizar (ou até, de não perceber) as conquista menores, reais alicerces do objetivo maior. São os pequenos sucessos que vão recheando e funcionando como combustível para seguir crescendo. Lidando com expectativas a muito longo-prazo ou muito elevadas, os pais ficam sem tempo para parar e refletir, e se adotam uma postura de que é preciso agir, correr contra o tempo, recuperar o que se perdeu, correm o risco de deixar momentos mágicos de conquista, de felicidade, passarem desapercebidos. O futuro é o conjunto e o resultado daqueles momentos que podem parecer insignificantes se observados superficialmente, mas de um significado profundo na somatória de experiências vividas. É preciso aprender a parar, ver o que é realmente importante, se equilibrar no desequilíbrio das diferentes situações, emoções que se vive a cada dia para prosseguir, vivendo com plenitude aquilo que está ao alcance de cada um. Cada criança, tenha ela SD ou não , é um indivíduo com suas forças e fraquezas, seu próprio potencial, seu índice de desenvolvimento. Quando ela passa a viver exclusivamente em função do que esperam dela ou da imagem que construíram para ela, se destitui de sua identidade própria e suas chances de sucesso, auto realização e felicidade se tornam menores. É preciso deixar que a criança suporte e vivencie seus próprios riscos tanto de acerto quanto de erro, para que encontre o equilíbrio necessário para seguir adiante baseada na auto-construção, no próprio conhecimento. Acreditar no que lhe é possível e real, movimenta esquemas cerebrais que fazem com que as coisas aconteçam, simplesmente porque envolve o indivíduo emocionalmente na situação,o faz crescer e ir em busca dos resultados, superando seus obstáculos e limitações. A Síndrome de Down é um fato, o começo de um desafio, de uma revisão de valores. Ter expectativas adequadas significa aceitar limites e se adaptar a uma outra realidade. É aprender a dar todas as oportunidades, mas desvinculando-se de prazos. É olhar o crescimento da criança tendo a ela própria como parâmetro. É a dança correta com a música certa. Não é justo ficarmos sempre negando o ritmo da canção que estamos ouvindo. |